artigo sobre os concursos de design no Brasil,
divulgado pelo site rede design brasil
Premiações e concursos: parâmetros para a elaboração de editais
Concursos de design: uma oportunidade ou um desserviço à categoria?
Recentemente, depois de ter começado a escrever este artigo, estive envolvida em uma peleja a respeito de um concurso para identidade visual mal formulado e muito desfavorável para a categoria dos designers. Não quero aqui mandar nenhum recado. A intenção é de discutir questões éticas importantíssimas que muitas vezes passam desapercebidas, camufladas pelos atrativos de concursos charmosos e aparentemente inofensivos.
A prática de concursos tem sido utilizada larga e inescrupulosamente, mesmo por pessoas bem intencionadas, ignorando as fronteiras da ética da profissão, por vezes sob a justificativa de dar oportunidades para designers. Freqüentemente empresas ou instituições lançam mão de concursos como forma de obter várias opções de projeto a um custo muito baixo. Jovens designers, atraídos pela oportunidade, e designers experientes, seduzidos por alguma situação desafiadora, muitas vezes caem nessa armadilha. O atual panorama de falta de oportunidades e perspectivas na área de design faz com que muitos aceitem regras predatórias e valores que seriam completamente inadequados para a contratação ao realizarem trabalhos para concursos.
Tem-se trabalhado em grupos e associações de design no sentido de defender o status da profissão e a qualidade de nosso trabalho através do estabelecimento de alguns padrões internacionais. Como vice-presidente do Icograda (International Council of Graphic Design Associations*), participo de discussões e da elaboração de documentos de recomendações de conduta, nos quais me baseei para discorrer sobre o assunto.
É preciso distinguir as várias formas de concurso, portanto, utilizo daqui por diante dois termos: premiações e contratação de trabalho através de concursos (abertos ou fechados, dirigidos especificamente a convidados).
As premiações têm o intuito de avaliar e reconhecer trabalhos já existentes, elevar o padrão do design, promover um melhor e mais extenso uso do design, ilustrar e definir medidas correntes e destacar sinalizadores sociais, culturais e econômicos que podem influenciar futuros projetos de design.
Os concursos do tipo aberto configuram-se como prática especulativa, mobilizando uma quantidade muito grande de pessoas, sem nenhum compromisso do organizador, resultando em uma diversidade de soluções para serem escolhidas à vontade. A relação com o contratante é superficial, limitando-se à descrição do edital, o que pode comprometer a qualidade do resultado, além de que, muitas vezes, a premiação é de valor menor do que o de uma contratação direta do mesmo trabalho.
Defendemos concursos fechados, mediante convite, remunerando todos os contratados para uma fase de pré-seleção, após a qual o escolhido será contratado para desenvolver o trabalho mediante um novo orçamento.
O sucesso de uma premiação depende muito de suas regras e vale lembrar que a reputação do organizador de um concurso também está em jogo. O Icograda desenvolveu documentos e oferece orientação a organizadores no desenvolvimento de editais, regras de conduta e seleção do juri, recomendando que seus membros não compitam ou participem como jurados em premiações que não estejam de acordo com essas normas recomendadas.
Recomendações do Icograda para a organização de premiações e concursos
Reproduzo abaixo um resumo das recomendações do Icograda para a organização de premiações e concursos, porém hoje em dia o Icograda desencoraja os concursos abertos, defendendo premiações e concursos fechados.
OBJETIVOS E TEMAS DO CONCURSO
O edital deve ser claro ao definir os objetivos e os tópicos/temas da premiação ou concurso.
OS PRÊMIOS
– A forma e número de premiações devem estar claramente definidos em editais de concursos e premiações.
– Os prêmios devem ser entregues até um mês após o resultado do concurso.
– No caso das premiações: prêmios podem ser medalhas, troféus, certificados e/ou valores em dinheiro.
– No caso dos concursos: os valores dos prêmios devem ser consideravelmente superiores ao valor do mesmo trabalho se fosse contratado diretamente.
– Deve ficar claro que o valor do prêmio não inclui a remuneração pelo copyright do trabalho, que deve ser negociado separadamente.
SOBRE AS REGRAS
– Concursos abertos devem especificar e separar as diferentes categorias profissionais que contemplam (estudantes, profissionais)
– As inscrições para concursos devem ser anônimas. Cada trabalho deve ser acompanhado por uma ficha identificatória, em um envelope selado. Nenhuma marca ou assinatura que identifique o autor deverá ser tolerada.
– A forma de apresentação dos trabalhos deve ser padronizada, de modo que todos tenham as mesmas oportunidades e sejam julgados sob os mesmos parâmetros.
– Trabalhos que chegarem após o término das inscrições ou aqueles que não atenderem às regras do concurso devem ser desclassificados.
COMPOSIÇÃO DO JÚRI
– O júri deve ter ao menos 5 pessoas
– Recomenda-se considerar um equilíbrio entre jurados dos sexos masculino e feminino, de preferência 50% de cada.
– A maior parte do júri deve ser composta de designers profissionais membros de uma associação de design, se possível
– Recomenda-se que os organizadores arquem com despesas de viagens, estadia e per diem dos componentes do júri.
– Para uma premiação internacional, o júri deve conter membros de ao menos dois dos seis continentes mundiais (América do Norte, América Latina, Europa, Africa, Asia, Oceania)
– Para que uma premiação seja regional (latino americana, por exemplo), deverá incluir jurados de ao menos três países da região
– Quando a premiação for anual, não mais de 45% dos jurados podem servir em júris consecutivos.
– Nenhum jurado ou membro de sua família, firma, ou equipe de design pode competir à premiação.
– O nome dos jurados deve ser publicado nas chamadas para inscrição.
RESPONSABILIDADE DO JÚRI
– Os jurados devem participar de todos os encontros oficiais, que podem ser presenciais, por telecomunicação ou por internet.
– Se os organizadores do concurso não tiverem nomeado um presidente do júri, este deverá ser um dos jurados, eleito por eles mesmos.
– Se não estiver estipulado um processo de julgamento, o próprio juri deverá defini-lo
– Os jurados devem examinar todos os trabalhos inscritos e eliminar aqueles que não estiverem de acordo com as normas do concurso.
– O presidente do júri deverá preparar um relatório com a decisão do júri.
COMITÊ DE PRÉ-SELEÇÃO
– Recomenda-se a formação de uma comissão de pré-seleção em concursos nos quais se prevê que o volume de inscrições obrigue julgamento por mais de dois a três dias
– O organizador deve apontar cinco ou mais participantes do comitê de pré-seleção. A maior parte do comitê deve ser composta por designers
– O trabalho do comitê de pré-seleção restringe-se a examinar e triar as inscrições que não estiverem de acordo com as regras estipuladas o edital, mas nunca deve julgar a qualidade dos trabalhos.
MODERADOR
O organizador deverá nomear um moderador para atuar entre o organizador, o júri e os inscritos. O nome do moderador também deverá ser anunciado na inscrição. O moderador não deve atuar como secretário do júri, nem participar dos trabalhos de juria de nenhuma forma. O papel dele é de:
– Receber as inscrições
– Abrir as incrições
– Manter registros de todos os inscritos, passando os trabalhos inscritos ao júri
– Receber pedidos de esclarecimento de candidatos ao prêmio, por escrito, no tempo limite estipulado pelo edital
– Passar os pedidos de esclarecimento às pessoas designadas para dar respostas (membros do júri ou presidente do júri), mantendo o autor da pergunta no anonimato.
– Divulgar as perguntas encaminhadas e as respostas do júri a todos os inscritos
– Assegurar devolução dos trabalhos inscritos (a não ser que haja outra determinação a esse respeito)
TEMPO
– Os promotores devem dar tempo suficiente para o desenvolvimento da proposta, de acordo com a complexidade do trabalho.
– Deve haver um mínimo de um mês e não mais que seis meses entre a abertura e o fechamento das inscrições.
PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS
– Todos os inscritos devem ser avisados dos nomes dos vencedores até dois meses após a data final do concurso.
COPYRIGHT E PATENTES
– Os promotores não podem, em hipótese alguma, alterar o trabalho vencedor, a não ser que tenham o consentimento do autor.
– Se os promotores do concurso desejarem utilizar de alguma maneira trabalhos que não foram contemplados com o prêmio, deverão fazê-lo mediante um acordo de remuneração com o autor.
DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
– Quando houver a intenção de estender a aplicação do projeto vencedor, o autor deverá ser contratado para desenvolver o projeto ao estágio desejado.
EXPOSIÇÃO
– Todos os participantes devem ser informados, após dois meses da data do concurso, se os organizadores têm intenção de exibir ou publicar os trabalhos.
– Não ganhadores do concurso têm direito a recusar a divulgação de seu trabalho.
Concursos fechados
As regras aplicáveis a concursos abertos são igualmente aplicáveis a concursos fechados, com algumas adições:
– Em um concurso fechado, cada participante deverá ser pago igualmente e de acordo com o trabalho envolvido. Este pagamento deverá ser substancialmente mais alto do que as honorários normalmente pagos para projetos contratados diretamente, para que não se configure prática especulativa.
– Todos os participantes deverão ser informados a respeito de quem são seus concorrentes.
Em defesa da qualidade do design
Devo dizer que, como designer, ex-diretora da ADG (Associação de Design Gráfico) e atual vice-presidente do Icograda, respeito as recomendações dos órgãos e entidades que zelam pela profissão e pela qualidade do design gráfico, defendendo o profissional e seu cliente, que terá resultados positivos na medida em que puder contar com o maior profissionalismo da classe. Devemos nos recusar a participar de concorrências que são desleais ou desrespeitosas para com a nossa categoria, esclarecendo e educando a sociedade a respeito da importância de nosso trabalho.
* Icograda (International Council of Graphic Design Associations)
O Icograda, Conselho Internacional das Associações de Design Gráfico, é uma entidade mundial, fundada em 1963, constituida por uma assembléia voluntária de associações de 57 países, ligadas ao design gráfico, comunicação visual, gerenciamento, promoção e educação em design. É membro fundador, juntamente com ICSID (International Council of Societies of Industrial Design) do IDA (International Design Alliance), aliança que congrega design gráfico e industrial.
www.icograda.org
Ruth Klotzel é designer gráfica, co-fundadora da ADG/Brasil em 1989, professora do Senac e vice-presidente do Icograda para as gestões 2003-2005 e 2005-2007.